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O ostracismo digital de Donald Trump e o poder das Big Techs

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Cassio Faeddo / Foto: Divulgação

Que o antigo conceito de poder limitado aos Estados nacionais vem sendo diluído rapidamente é um fato indiscutível. Os Estados continuam soberanos quanto ao poderio militar, ainda que existam exércitos mercenários “terceirizados” ou “quarteirizados”, como aqueles grupos que vez ou outras aparecem em países em conflitos ou em missões frustradas ou não de desestabilização de Estados soberanos, mas nos demais setores, como economia, meio ambiente e comunicação, perderam muito espaço.

A novidade agora é o poder de impor cancelamentos de serviços da Internet que são disponibilizados aos cidadãos do mundo, mesmo que chefes de Estado. Isso ocorreu de forma espetaculosa no caso de Donald Trump, que teve contas canceladas em redes sociais, e, especialmente, no Twitter.

Trump fazia uso massivo desta rede social, eclipsando, de certa forma, o trabalho de sua assessoria de comunicação. Era pelo Twitter que Trump comunicava-se com seus apoiadores e também com o mundo.

E no mesmo sentido, Amazon, Apple e Google baniram de suas lojas virtuais o aplicativo de comunicação Parler, meio pelo qual os seguidores de Trump, dentre outros, passaram a utilizar em substituição ao Twitter.

Realmente assombroso. Vamos por um minuto esquecer que trata-se de Trump, amado e odiado na mesma proporção.

É fato que as redes sociais e aplicativos tornaram-se a Ágora do Século XXI. Ágora era o local onde os cidadãos livres de Atenas, na Grécia antiga, se reuniam para discutir política e exercer seus direitos de cidadãos.

Naquela época, quando os cidadãos atenienses se defrontavam com alguma ação, dentre um de seus membros, que poderia ameaçar a ordem democrática, decidiam o caso em uma votação, e se aplicariam ao cidadão acusado, os efeitos do ostracismo.

O ostracismo era o banimento de membro da cidade que consistia em uma votação com a utilização de pequenos pedações de cerâmica (ostrakon).

As big techs mandaram Trump ao ostracismo sem ostrakon. No caso de Trump, prontamente seus defensores alegaram cerceamento da livre expressão, ou seja, censura. Por outro lado, seus opositores afirmam que se tratam de empresas privadas nas quais o Estado não pode interferir, muito menos poderiam ser aplicadas garantias constitucionais.

Incluiu-se, ainda, neste debate, a Seção 230 do CDA, Communications Decency Act que trata da comunicação na Internet e responsabilidade de serviços como redes sociais e outras plataformas. Ocorre que pouco ajuda tal argumentação, pois a referida Seção, limita-se apenas a discutir a imunidade ou limitação de responsabilidade destes veículos em face do que os usuários postam.

Assim, se o Twitter, por exemplo, interfere em conteúdo de acordo com suas regras, estaria praticamente agindo de forma editorial, ou seja, solidarizando-se com o que seu usuário posta. De qualquer forma, é uma prerrogativa do veículo de comunicação, e assunto para longos debates jurídicos, e nenhuma plataforma vai ceder se não compelida judicialmente a fazê-lo.

Por outro lado, argumentar que tratar-se-ia de uma ofensa constitucional ao direito de livre expressão, não seria algo sem discussão. Há obstáculo na forma pela qual os EUA entendem a eficácia horizontal e vertical dos direitos fundamentais. Melhor explicando, segundo essa teoria, eficácia horizontal dos direitos fundamentais é a aplicabilidade de limites de atuação privada em face do cidadão.

Ou seja, se o Twitter fosse órgão do Estado, aplicar-se-ia essa limitação na forma vertical, o limite do Estado em relação ao direito do cidadão. Por outro lado, a teoria da eficácia horizontal advoga que empresas privadas e particulares devem obedecer aos mesmos princípios constitucionais os quais o Estado se submete.

Nos EUA não há a aplicação do princípio da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pois os contratos entre particulares não se submetem, em teoria, aos princípios constitucionais. Se assim acontecesse, um diretor de uma associação privada, ou empresa, não poderia ser reconduzido diversas vezes ao cargo, pois a alternância de poder é norma democrática, bem como o direito ao voto.

Assim, a priori, os direitos fundamentais não podem ser aplicados às relações entre particulares.

É bastante importante que os entusiastas dos valores norte-americano entendam que não podem escolher a parte do sistema legal estadunidense que mais gostam, por exemplo, idolatrarem as relações de trabalho, e clamarem por direitos fundamentais aplicados a entes privados, como no caso de Donald Trump.

Nos EUA, o mais importante é o contrato, e, para doutrina e jurisprudência, os direitos fundamentais têm apenas a eficácia vertical.

Cassio Faeddo: Sócio Diretor da Faeddo Sociedade de Advogados. Mestre em Direitos Fundamentais pelo UNIFIEO.  Professor de Direito. MBA em Relações Internacionais/FGV-SP Site: www.cassiofaeddo.com.br

Fabio Almeida

Tenho 38 anos, nascido em Salvador/Ba, um soteropolitano nato. Jornalista de profissão sigo o compromisso e responsabilidade com a verdade e apuração dos fatos.

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